Roseli, cê taí?
O relógio de ponto do Departamento Regional de Saúde de Presidente Prudente - o DRS XI - fica bem do lado do balcão do Protocolo.
Então é meio que inevitável que quem chega pra registrar entrada e saída veja, pelo vidro, quem trabalha no Protocolo.
E todo santo dia, quando o Ricardo chegava pra passar o dedo e já via a Roseli, lá dentro, mandava o bordão:
- Roseli, cê taí?
Foi assim que surgiu o cumprimento! E era assim, que todo santo dia, o Ricardo dava o Bom dia! pra Roseli...
Tá certo que nem todo santo dia o Protocolo do Bom dia! que o Ricardo dava pra Roseli, do Protocolo do DRS XI, era rigorosamente o mesmo!
Tinha as variações - é lógico - pra não ser todo dia o mesmo Bom dia!
Porque às vezes é preciso - e até saudável - quebrar o protocolo (no sentido figurado, é claro!).
- Roseli, tá calor aí?
- Roseli, tem café aí?
- Roseli, tudo certo aí?
- Roseli, tá chovendo aí?
- Roseli, fazendo o quê aí?
- Roseli, empresta a blusa aí?
Mas o que a Roseli mais gostava era mesmo do original, o padrão, o de sempre:
- Roseli, cê taí?
E a Roseli, respondia como?
Quando o Ricardo começou no DRS, lá em 2013, o Bom dia! da Roseli era sério, sóbrio, firme:
- Tô aqui!
Mas, com o passar do tempo, com aquele vínculo mais consolidado, com aquela amizade mais bacana, o Bom dia! da Roseli ficou mais maneiro:
- Opa, se eu tô aqui!
Só que um bocado mais adiante, o Bom dia! da Roseli acabou retratando o desgaste natural da caminhada:
- Ainda tô aqui!
É que a Roseli já tava com mais de trinta anos de serviço público na bagagem! Carreira que teve início no século passado, lá no tão, tão distante 1993...
Eita! Que é uma vida inteira de dedicação ao SUS!
E é bem mais! É muito, mas muito mais! É uma vida inteira de atendimento direto ao Usuário do SUS, ali, na ponta da linha, no cara-crachá, com tudo e mais tudo que é sentimento que essa proximidade envolve!
Imagina só o que a Roseli viu! Imagina só o que a Roseli ouviu! Imagina só o que a Roseli viveu nessas três décadas!
Imagina só quanta ação Judicial recebida, de fornecimento de tudo e mais tudo que é medicamento e contratação de tudo e mais tudo que é tratamento!
Quanta receita de Aripiprazol!
De Metilfenidato!
De Lisdexanfetamina!
Quanto pedido de fralda!
De equipo, sonda, gaze, esparadrapo e tudo e mais tudo que é insumo!
Quanto agendamento de Tratamento Fora do Domicílio!
Quanta Autorização de Procedimento de Alta Complexidade!
Quanta Autorização de Internação Hospitalar!
Quanto Ofício de Prefeitura Municipal! Só dos 45 Municípios situados no âmbito do DRS XI...
Do Ministério Público!
Da Defensoria Pública!
Do Fórum!
Quanta abertura de processo!
Quanto malote do correio!
Quanta filipeta de agendamento de consulta e exame!
Quanto Exame de pezinho!
Quanta devolutiva de Pedido Administrativo de Medicamento!
Quanta Requisição de Passagem de Ônibus!
Quanto protocolo de documento!
Quanta anotação no Livro de Protocolo!
Imagina só o tanto de papel que passou pela mão da Roseli nesse tempo todo!
E como na Saúde cada papel que chega é mais, bem mais, mas muito mais mesmo que um mero documento - porque na Saúde cada papel que chega é uma vida, de gente sofrida, que precisa de socorro, de atenção, de afeto, de empatia, de dignidade, de humanidade - imagina só o tanto de vida que passou pela mão da Roseli nesse tempo todo...
Até que chegou o dia em que a Roseli cumpriu plenamente a missão de ser a primeira mão estendida pra receber os papéis, os documentos, as vidas de tanta gente sofrida...
Até que chegou o dia em que a Roseli recebeu a cartinha do INSS, comunicando a concessão da Aposentadoria...
Muito, mas muito, mas bem mais que muito merecida!
E olha que ela falava que esse dia tava bem longe de chegar, que a gente ainda ia ter que aguentar ela por um bom tempo e tals...
Mas, numa piscada de olho...
E aí chegou o dia em que o Ricardo registrou o ponto no relógio, olhou pra dentro do Protocolo do DRS XI e não viu a Roseli lá!
- Roseli, cê não tá mais aí...
Pois é!
Dia desses a Roseli apareceu lá no DRS pra dar um abraço e contar sobre o começo desse novo ciclo da vida dela...
Tá dormindo sem ter hora pra acordar, tá viajando pra visitar as irmãs sem ter data pra voltar, tá abraçando a filha sem ter que largar, tá desfrutando do puro creme da liberdade sem ter previsão pra acabar!
- É isso aí, Roseli!
Ah, a foto ali em cima é do primeiro processo protocolizado pela Roseli a pedido do Ricardo e representa a relevância do trabalho de quem é, literalmente, a porta de entrada que - pra mais, mas muito mais, mas bem mais além da figura aparentemente franzina - cresce em todas as dimensões pra simbolizar um portal de esperança pra quem busca o socorro, a atenção, o afeto, a empatia, a dignidade, a humanidade que todo ser humano merece receber no momento em que tem seu bem mais valioso em risco: a sua saúde!
- Receba aquele abraço aí, Roseli!
A Roseli cumpriu seu papel como funcionária e não tem coisa mais maravilhosa do que é assinar o papel de aposentadoria. De virar as costas e ficar um bom tempo sem lembrar do local de trabalho. Ainda mais no Estado onde não valoriza o funcionário, paga-se muito pouco e explora. Promete aumento e não paga.
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