Ah, Neném! Caramelo filho da mãe!





Esse aí é o Neném!

O Ricardo conheceu ele nas sagradas caminhadas de cada dia pra manter o colesterol em níveis compatíveis com a sobrevivência...

- Alimentação saudável, exercício físico e tranquilidade!

- Os dois primeiros até que da pra tentar fazer, Doutor! Mas ficar zen? De que jeito? Com essa "Vida Loka" que a gente leva?

- Caminhe! Caminhe! E paz no coração durante as "andadas"! Contempla o céu, o pôr-do-sol, a lua, as estrelas, sente a brisa do começo da noite, o cheirinho das jantas sendo preparadas, presta atenção na arquitetura, nas cores e nas singularidades das casas, admira os jardins, as flores, as árvores, a arquitetura, as cores e as singularidades da natureza! Cumprimenta as pessoas que tão sentadas nas varandas, nas calçadas! Se conecta com a rua, com o mundo, com o próximo, com Deus! Anima o corpo e acalma a alma numa caminhada só...

- Eita, Doutor! Que apelação, hein? Maior paz e amor pra convencer a gente a não pagar pau pra preguiça que bate quando a gente chega em casa depois de um dia daqueles - e tem dia que não é daqueles? - e só quer se jogar na cama, no sofá, no chão - onde der, onde for - pra poder descarregar a tensão e recarregar a bateria pra começar tudo de novo no dia seguinte!

- Bora conferir! Faz o teste! Vai pro rolê sessenta dias seguidos, sem falhar, sem dar desculpa, sem dar perdido e vem me contar se é ou não é tudo isso que tô te falando...

- E não é que é tudo isso mesmo, Doutor? 

É tudo e mais tudo! E já são oito anos que o Ricardo anda por aí, contemplando, sentindo, admirando, cumprimentando, se conectando com a vida!

E foi numa dessas que ele trombou o Neném!

Pera aí! Tá achando que o Neném é o mais novo integrante da família do Ricardo, né? Ah, vá! Só que não!

Cabe informar, vale esclarecer, cumpre registrar, insta frisar, convém ressaltar, resta evidente asseverar, é imperioso reiterar que a "Trupe dos Trogolós" tá completa e não tá tendo vaga pra mais ninguém no momento!

Eles já tem o Maike - O Presente da Tempestade - e o Dante - O Dono da Garagem - e já tá bom demais! Pra não falar que já tá demais, senão o Ricardo leva bronca múltipla da Nenê, da Taciana e da Lara...

- Ninguém ouse falar mal do "Zoiudinho da Mamãe" nem do "Nha-Nhau"!

E olha que os dois também tão aqui no Sextou, Textou! 

Quem ainda não viu, é só navegar pelo blog e dar uma conferida nas histórias deles que, por sinal, são bem peculiares, bem fora da curva, bem sui generis!

Mas então, qual é a do Neném nessa parada? Ah, o Neném é o seguinte...

O Neném vive na rua, mas não é da rua, não! Ele tem casa, tem dono, tem família, tem comida, tem carinho, tem afeto, tem cuidado, tem tudo!

É que ele tá sempre na rua! Na verdade, a rua é só uma parte - a intermediária - da rotina diária do Neném.






A inicial é o posto de vigilância! É a guarita dele! A casa do Neném fica numa descida e o muro foi feito em degraus, acompanhando a inclinação da rua.

O Neném fica sempre no mais alto - que faz divisa com a parede lateral e vai até a esquina, onde encontra o portão de ferro - deitado, patas da frente esticadas, olhos atentos, orelhas em riste - só castelando o movimento da via, filmando palmo a palmo, escaneando tudo tintim por tintim! E, lógico, pronto pro ataque!

Pra avançar em quem? Em quem estiver passando! Gente, cachorro, gato, passarinho, bicicleta, moto, carro e até caminhão (se for o da Prudenco, então...) Qualquer coisa que se mova é alvo! E ninguém tá a salvo!

E o danado executa o protocolo religiosamente! Repete o ritual com pontualidade britânica e disciplina nipônica!

Identifica a vítima, se levanta - e já começa a rosnar e latir - percorre todo o muro, descendo degrau por degrau - sempre rosnando e latindo - pula pra rua e parte pra cima - aumentando significativamente o volume e a intensidade dos "brados retumbantes" pra fazer crescer, proporcionalmente, o apavoramento e o desespero dos incautos que "invadem" o  território dele!

E não é que o infeliz assusta mesmo? Vem que vem, que vem com tudo! Vem naquela blitz pra botar o cidadão pra correr! E não tem um que não amarela e, involuntariamente, parte pra carreira desenfreada, no mesmo grau de quando a gente tá dando fuga de ataque de enxame de abelha!

E aí é tudo o que o famigerado quer: forçar a gente a dar no pé pra poder continuar correndo atrás, metendo o louco, botando pra quebrar, tocando o terror geral, mostrando quem é que manda na parada, quem é o dono do pedaço!

- Ah, Neném! Caramelo filho da mãe!






Só que o Ricardo descobriu, no dia-a-dia, que o velho ditado, pelo menos no que diz respeito ao Neném, não tem prazo de validade: "Cão que ladra não morde!"

Foi assim que o Ricardo ficou sabendo o nome dele, com os gritos da dona...

- Neneeeeeeeeeeeém! Vem já pra dentro, Neneeeeeeeeeeeém!

- Ele não morde não, viu moço!

- Neneeeeeeeeeeeém! Assim não, Neneeeeeeeeeeeém!

E o pior - não, o melhor, né? - e que é real mesmo! Ainda bem!

E, com o tempo, o Ricardo foi pegando a manha de como lidar com o Neném: é só ficar parado - correr jamais - e, quando o bicho partir pra investida, tascar a invertida nele: andar na direção do infeliz, encarar, falar firme - e torcer pra ele não sentir o odor do seu medo - que vai ser ele quem vai bater em retirada!
Com o Neném funciona!

O Ricardo até gravou pra ninguém falar que é miguelagem dele! Dá só uma olhada no procedimento...




E é só todo dia que rola essa treta!

Mas aí vem o inevitável questionamento: porque é que o Ricardo insiste em passar esse perrengue todo dia? Porque não vai pela rua de cima ou pela debaixo? Ou por duas ou três, acima ou abaixo? Por que é que insiste em encarar o Neném todo santo dia?

Porque ele gosta, ué! 

Encontrar o Neném, apesar das circunstâncias, virou parte da caminhada do Ricardo! Poucos segundos que fazem a diferença total!

E quando não rola o meeting? O Ricardo passa e, simplesmente, nada acontece! E aquele quarteirão fica igual a todos os outros! Sem  tensão, sem adrenalina, sem graça! Tal qual dia que não tem jogo na TV!

Maneiro mesmo é quando o Ricardo vem chegando e vê o "rival" lá na torre de observação, só no plantão...

- Ah, hoje tem! Sei não, mas arrisco cravar que esse cachorro sente a mesma vibe quando percebe que sou eu que tô vindo! Será que ele também sente falta quando eu não venho?

Eita, que o Ricardo caiu na divagação e nem viu que o Neném já tava quase grampeando o calcanhar dele! Deu mole, vacilou, Neném se aproveitou! Capitalizou no turnover do adversário!

Só comprovou a teoria que preconiza: "Quem não enfrenta, aguenta!"

- Ah, Neném! Caramelo filho da mãe! Hoje cê levou a melhor! Mas amanhã te enquadro, seu safado!

Mas, no dia seguinte...

Aconteceu!

O inesperado! O imprevisível! O imponderável!

A principio, tudo transcorrendo sem alteração: o Ricardo vinha pela rua normalmente - empolgou quando viu o Neném lá no alto do muro - e o Neném também registrou o Ricardo chegando - também animou pro duelo de sempre - e deu início aos trabalhos de praxe! Pulou pra rua e acelerou na direção do Ricardo, rosnando e latindo!

Foi aí que sobreveio o infortúnio!

O moleque passou chutado pelo Ricardo! De bike motorizada! A milhão! O Ricardo chegou até a assustar com o barulho estridente da geringonça, que a gente costuma identificar de longe, mas o maluco tava tão na velocidade da luz que nem deu tempo pro Ricardo se ligar...

- Ai, caramba! Vai pegar o Neném em cheio!

E, pra piorar, veio um Golzinho descendo a Reverendo embalado! 

- Agora ferrou! Ele vai passar batido! Tem a preferência! Quem tem que parar é quem vem pela Fernando Costa: o doido da bike supersônica! Não vai dar tempo de frear!

E o Neném atravessando as duas ruas na diagonal...

Aí o Ricardo gritou...

- O cachorro! Olha o cachorro!

O cara do Gol tentou segurar: os pneus travaram, fritaram, o carro foi deslizando e parou bem no meio do cruzamento...

O menino da bike meteu o pé no pneu pra ver se conseguia parar mais depressa, mas já tava muito em cima do carro! Por sorte bateu na roda: a bicicleta ficou, o piloto voou sobre o capô, fez um apoio com as duas mãos na lataria e caiu em pé do outro lado! Se tivesse nas Olimpíadas, certeza que ia pro pódio! Pensa num duplo twist carpado!

Deu mais ruim foi pro Neném mesmo! Também não deu conta de frear, nem de desviar do carro: bateu com a cabeça na porta do motorista, caiu e ficou!

Aí o Ricardo desabou junto...

- Ah, não! Ah, não, Neném!

O barulho da pancada fez a dona da casa sair na varanda pra ver o que tinha acontecido...

- Neneeeeeeeeeeeém! Neneeeeeeeeeeeém!

E disparou, correndo e chorando, pra acudir o cachorro!

O cara do Gol desceu pra ver se ainda dava pra fazer alguma coisa...

O moleque até esqueceu da bike naquela hora! Também queria ver se o bicho ainda tava vivo!

O Ricardo também chegou e - tem como negar, não - desanimou quando viu o Neném ali, imóvel, sem reação, sem nenhum sinal de vida!

- Ah, não! Ah, não, Neném! Faz assim não, Neném!

E não é que não fez mesmo?

Abriu um olho, depois o outro! Mexeu a cabeça, endireitou o pescoço! Dobrou as pernas, esticou, dobrou de novo! Virou de lado! Virou de novo! Fez uma força, pegou um impulso, ficou em pé! Titubeou, balançou a cabeça, trançou as patas, balançou a cabeça de novo, buscou o equilíbrio, se firmou! Levantou a cabeça, olhou em volta, olhou pra todo mundo, olhou pro Ricardo, ensaiou uma rosnada, buscou um fôlego lá no fundo do peito pra esboçar um latido! E abanou o rabo!

- Ah, Neném! Ah, meu Neném! Vem com a Mamãe, meu Neném!

- Tudo indica que o Neném teve uma concussão! Bateu forte com a cabeça, desmaiou - apagou geral mesmo - mas, aparentemente, não apresenta nenhuma sequela, não! Pode levar pra casa! Repouso por uma semana, observação contínua e, qualquer alteração, traz ele pra gente ver...

- Opa, valeu, Doutor!

Pois é!

Por duas semanas, o Ricardo mudou o trajeto da caminhada. Se segurou pra nem passar perto da casa do Neném pra não dar nenhuma possibilidade de prejudicar a recuperação dele!

Até que um dia desses...

Vai vendo só o que aconteceu...





- Ah, Neném! Caramelo filho da mãe!

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