Que rei é esse?


Que ideias são essas? 

Necessário registrar a realidade com pena e tinta
Ante o espanto de atinar que uma chusma consinta
Que seja do mundo nossa visão radicalmente criticada
Por quem se autointitula de mentalidade avançada
Em pleno alvorecer do século dezoito de nosso Senhor

De lucidez é notória a total ausência
Daqueles que intentam com maquiavélica eloquência
Introjetar estapafúrdios conceitos ditos modernos
Ensejando terríveis conflitos internos
Em quem passa a ser arcaico por se manter conservador

Falsos especialistas decifradores das leis da natureza
Saltimbancos autores de obras de duvidosa beleza
Por herdeiros de Guttenberg elevados aos pedestais
Ostentam estandartes demasiado inusuais
Difundidos como magníficos sucessos da evolução humana

Afirmam categoricamente que é arredondado o planeta
Asseveram com esteio em observações por luneta
Não ser mais a Terra o centro do universo
Girando em torno do Sol em sentido reverso
Em flagrante manifestação de doutrina sabidamente insana
 
Por títeres burlescos novos costumes são ditados
Pelos cândidos cidadãos logo incorporados
Com validação por transcendentes artistas
Praticam-se inusitadas tendências futuristas
Autenticam os incautos inescusáveis imoralidades

Exibem moçoilas desnudas tíbias sem qualquer pudor
Núpcias antes da bênção sequer provocam rubor
À prometida é facultado rejeitar o casamento
Visto que permitido labutar por seu próprio sustento
Adultério impune é simples amostra das fabulosas novidades
 
Por espancar virago seu consorte na masmorra é confinado
E assim quem deixa senil à própria sorte abandonado
Ilícita a imposição de labor à criança
Absurdo que até os parentais direitos alcança 
Vetada na escola a disciplina com palmatória

Floresta não mais se derruba para o comércio da madeira
Bruxas e canhotos não são lançados à fogueira
Até se cogita a conversão da monarquia
Em inédito governo que represente a maioria
Por voto direto e de igual valor conduzido à vitória 


Que poderes são esses? 

São nefastos os atuais dias
Exacerbam rancores e antipatias
Inconteste é a cisma no Império
Nascida em vão despautério
De dois novos poderes criados
 
Já não mais governa só o rei
Tolhido que está pela lei
Escrita por plebeus eleitos
Distorcida por reles sujeitos
À distinção de doutores alçados
 
Três forças em pé de igualdade
Contrariando a suprema verdade
De apenas uma provir do Divino
Cometendo franco desatino
Quem se presta a endossar tal ideia
 
De autoridade por Deus investido
Só o monarca é por Ele escolhido
Ora despojado de supremacia
Obrigado a curvar-se ante uma anomalia
Votada e promulgada por profana assembleia
 
Impossível ao rei fazer frente
A tão odiosa e sorrateira gente
Que ao unir-se o deixam isolado
Seu agir completamente atado
De cuidar de seu povo impedido
 
De ser deposto do trono ameaçado
A soturnos acordos forçado
Por assaz esfomeados chacais
Apartados dos tesouros reais
Desde o dia em que fora investido
 
Decisões de extrema relevância
Revogadas pela superior instância
Magistrados a quem só julgar cabe
Autorizados como não se sabe
A usurpar alheia atribuição
 
Basta um simples postulado
Reparado o suposto direito lesado
Formalizada a sórdida avença
Exarada de pronto a sentença
Que passa a viger como legislação

 

Que gente é essa? 

Não bastantes os inimigos declarados
Os tem o rei até entre aliados
Que lhe juravam eterna fidelidade
Revelada de extrema fragilidade
Rompido para sempre o elo
 
Nomeados como notáveis
De reputação e moral inquestionáveis
Aproveitando a primeira ocasião
Não tardaram a enredar a traição
Ansiando ocupar o trono do castelo
 
Decerto o pior desencanto sentido
Ao descortinar-se o insidioso projeto urdido
Por quem gozava de tão elevada estima
Perfídia que a mais nobre escusa dizima
Levada a termo por seu Conselheiro de Leis
 
Em xeque a honra de Vossa Majestade
Vilipendiada a cristalina verdade
De garantir aos príncipes a essencial proteção
Contra não menos escabrosa acusação
De apropriação indevida da pública res
 
Ante o fracasso do engodo desnudado
Por inerente astenia de imediato refutado
Recrutaram ardilosos alquimistas
Nomearam célebres doutores e cientistas
Para a torpe missão de macular um reinado digno da maior honraria
 
Com intuito de disseminar descomunal medo
Engendraram em cabal segredo
A conspiração de paralisante efeito
Suprimindo do povo de ir e vir o direito
Com a maquinação de esdrúxula teoria:
 
Desconhecida síndrome do além mar oriunda
Com potencialidade de aniquilação rotunda
Se espalhando com nunca vista facilidade
Logo decretou-se o fechamento da cidade
Para conter a desgraça que se avizinha
 
Privada a liberdade como única medida
Fome, miséria, a multidão desvalida
Patente farsa sustentada com teimosia
Pelos boticários alardeada como pandemia
A moléstia que não passava de mera pestezinha!

 

Que ciência é essa? 

Inflamada a obsessão pelo destronamento
Abjetas imputações desprovidas de fundamento
Esculpida a imagem do monstro desalmado
Insensível à dor de um reino inteiro enlutado
Ao priorizar o metal em detrimento da vida
 
Por com vigor defender o lábaro da liberdade
Pelo respeito ao querer de cada individualidade
De com destemor enfrentar o inevitável destino
Pelos detratores acabou rotulado assassino
Aviltado pela infâmia de rei genocida
 
Mas que poder tem o homem, mesmo rei, contra a morte?
Se há de cumprir cada um sua própria sorte?
Se cada qual paga por seu próprio pecado?
Se não tem salvação quem já está condenado?
Nada há que impeça o adormecer derradeiro
 
Sendo pois vã a intenção de afrontar a certeza
De que morre todo homem por sua culpa ou fraqueza
Só logram êxito em adulterar premissa tão absoluta
Raposas a tecer narrativa deveras astuta
Que atribua a autoria do crime ao inocente coveiro
 
E antes que o monarca se acuse de inerte quedar
Todos os seus feitos presto cumpre registrar
Dotado por Deus de pleno poder
A ninguém mais haveria de caber
A honra de indicar para o mal a cura
 
Mas de novo por hábeis serpentes cingido
De divulgar o achado pelos togados proibido
Mesmo sendo do céu legítimo representante
Ao divisar a terapia num simples laxante
Em acórdão tachada como extrema loucura
 
Não tardou o deslinde da razão da falácia
Sendo primordial refutar do remédio a eficácia
Quando já acertada a compra de milagrosa poção
Empenhado das reservas vultoso quinhão
Vedado, pois, cogitar qualquer concorrência
 
Mormente se tônico de irrisório valor
A extirpar a mazela com reconhecido primor
Que arruinaria o sem fulcro conluio firmado
De importar a áureo custo o fármaco decantado
Singular elixir de comprovada eficiência
 

Que rei é esse? 

Para um embuste revestir de autenticidade
Ocultando com sórdido estratagema a realidade
Aguardou-se do mal o natural arrefecer
Induzindo todo o povo a falsamente crer
Que pela ação do ditoso bálsamo não mais se padeceria
 
Que se extingue a doença é sabido de antanho
Só depois de infectado por inteiro o rebanho
Que vidas se perdem é forçoso reconhecer
Em augusto penhor para a espécie sobreviver
Postulado que a mais contrária tese sequer mitigaria
 
Mas enquanto não contida a funesta infestação
Cumpre ao rei servir de arrimo a toda população
De altruísmo imbuído sem hesitar exauriu o erário real
Para os desassistidos acudir com subvenção providencial
Indubitável que por tão magnânimo se consagre
 
Aquele que seu reino acima de tudo reputa
Que ante todos eleva Deus com fé resoluta
Que não titubeia quando instado ao conflito
Seja aclamado pela eternidade o mito
Salve o Rei Messias que só não faz milagre!
 
E retorna no feudo a vida à normalidade
Com armas sempre em riste a defender sua integridade
Por ainda mais perigosos inimigos ameaçada
Impostores a propagar concepção deturpada
De nossos dogmas sociais, religiosos e culturais
 
Impõe-se como legítima dos papéis a inversão
Escravo se torna senhor, donzela passa a ser varão
Abolido pelos filhos aos pais o respeito
A quem mata e rouba não se nega o direito
Aos homens mulheres se arvoram iguais
 
Da terra se apossa quem nunca plantou
Galardão recebe o que não trabalhou
Não mais se deve acreditar em Deus
Os terrivelmente crentes agora são ateus
Solitário luta o rei contra hedionda ideologia
 
Toda cautela a evitar que passe uma só res pela porteira
Sob pena de que logo atravesse a boiada inteira
Que com sua destra prossiga reinando dos males é o menor
Imprescindível o enquadramento para impedir o pior
Que se instaure um desvario a que chamam democracia!

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